Não deixemos as aves desaparecerem nas nossas explorações

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Por George Stilwell | Médico-veterinário, PhD, Diplom ECBHM, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade de Lisboa

Primeiro que tudo, uma declaração de interesses: sou clínico veterinário, sou investigador em saúde e bem-estar de animais de produção, sou ambientalista e sou ornitólogo.

Começo assim porque o tema que hoje trago a esta página, já habitual na revista Agrotec, tem a ver com tudo isto. A apresentação e defesa da avifauna é um tema que pode parecer estranho numa revista sobre agricultura, mas o leitor irá perceber como estão relacionados e como pode ser mesmo muito importante.

Depois da declaração de interesses será fácil perceber que a minha vida profissional e o meu passatempo leva-me a visitar muitas vezes explorações e terrenos agrícolas. Isto acontece não só em Portugal continental, mas também nos Açores e em vários países europeus.

Estas visitas, se bem que normalmente desencadeadas por motivos profissionais, acabam sempre por alimentar (e bem) o meu vício/gosto pela ornitologia.

Não raras vezes, quando estou com alunos, colegas ou produtores, aproveito para lhes apresentar as espécies de aves que vou vendo a cada momento.

“Olhem ali na lagoa de decantação uma família de patos-reais e mais atrás um casal de pernas-longas”. Normalmente acrescento os nomes científicos para que não achem que os estou a enganar – Anas platyrhynchos e Himantopus himantopus, respectivamente.

A cada visita surpreendo os meus forçados pupilos em ornitologia, porque há sempre algo diferente a apontar. A variedade e a quantidade de aves que usam os terrenos agrícolas de Portugal é realmente imensa. São aves que se aproveitam das sementes caídas, das lagoas com os resíduos, dos tractores que espantam insectos ou dos animais que atraem moscas e carraças.

A cada visita vemos, sem esforço, pardais (Passer domesticus e Passer montanus), pintassilgos (Carduelis carduelis), andorinhas (Hirundo rustica e H. daurica), alvéolas (Motacilla alba e M. cinerea), cotovias (Alauda arvenses e Galerida cristata), peneireiro (Falco tinnunclus), perdizes, gralhas etc, etc, etc… Nos Açores é tão fácil ver o tentilhão local (Fringilla coelebs moreletti, subespécie típica destas ilhas), os estorninhos (Sturnus vulgaris e S. unicolor), os sempre presentes e melodiosos melros (Turdus merula) e a Águia-de-asa-redonda (Buteo búteo), que provavelmente deu o nome ao arquipélago.

Como podem ver pela pequena amostra, esta é uma riqueza (ainda) enorme da qual Portugal se pode orgulhar. Esta constatação torna-se muito mais verdade depois de visitar o mesmo tipo de explorações em alguns países europeus.

Aliás, a ideia deste texto surgiu aquando de uma visita à Bélgica, quando voltei a constatar que nas terras agrícolas e matas limítrofes praticamente não se via ou ouvia uma ave. As únicas que abriam excepção eram os sempre presentes corvídeos (pegas e gralhas) que parece que pululam nestes ambientes estéreis. Em suma, uma pobreza biológica em campos intensamente cultivados.

Este cenário belga foi o mesmo que testemunhei em Inglaterra, Itália, França, Sérvia e Hungria, e que suspeito se estende por muitos outros países europeus. Em Espanha é menos notório. Em conversa com especialistas, estes não sabem explicar a razão, mas confirmam o que eu observo e temo – as aves das quintas estão a desaparecer!

Como disse, as razões para tal diferença entre países tão próximos não são claras. Pode ser o nosso clima mais ameno, o menor uso de pesticidas, a maior biodiversidade em termos de invertebrados que ocupam a base da pirâmide alimentar, os ecossistemas mais equilibrados, a menor ocupação com culturas intensivas, ou qualquer outro factor que a Ciência ainda não conseguiu identificar. Ou se calhar é uma mistura de todos eles.

Uma coisa posso dizer com toda a certeza – os terrenos portugueses podem não ser tão produtivos, mas são de certeza mais sustentáveis e dão muito mais prazer e orgulho visitar.

Uma outra coisa é também certa – esta riqueza desaparece logo que se introduz sistemas de produção agrícola muito intensiva. Olivais, pomares, hortícolas, vinhas, pinhais, eucaliptais… e todas as monoculturas gigantescas que são berços desta pobreza biológica que tenho encontrado pela Europa.

Normalmente estes sistemas são pobres em avifauna (e outra) permitindo um maior desenvolvimento de pestes e exigindo, por isso, maiores e mais frequentes tratamentos químicos.

Há, por isso, razões egoístas suficientes – maiores produções com menores gastos – para promover a protecção da avifauna nos nossos campos.

Mas mesmo que não existissem, é nossa obrigação garantir e estimular este equilíbrio natural. Basta lembrar que este planeta é-nos emprestado pelas gerações vindouras que esperam que o entreguemos tão limpo, puro e equilibrado como o encontrámos.

Só há um planeta Terra e é sabido que as nossas acções podem arruiná-la para sempre. Cabe a cada um – e os agricultores têm uma responsabilidade e interesse acrescidos – trabalhar para que o nosso bem-estar e felicidade cresça em harmonia com a preservação da Natureza.

Nota final – nos seus terrenos, promova a manutenção ou crescimento da avifauna benéfica, guardando pequenas porções de terrenos com flora natural, construindo ninhos artificiais e alimentadores, deixando crescer arbustos e árvores nos limites dos campos e usando herbicidas e pesticidas de uma forma racional e controlada.

A Terra agradece.

Nota: Artigo publicado na edição impressa da Agrotec 28.

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