O regresso do negócio da lã…Merino

0

O comércio nacional da lã começou a retomar nos últimos anos, mas apenas para a lã de ovelhas da raça Merino Branco. A diferença entre a lã Merino e as Bordaleiras ou Churras é de algum lucro para bastante prejuízo. O destaque vai para a produção no Alentejo e a ANCORME e a ACOS são as principais organizações que concentram e vendem lã Merino. No resto do País os produtores vendem, normalmente, a intermediários.

A lã Merino vende-se a partir dos 1,70€, dependendo do preço no mercado mundial, com a tosquia a rondar os 1,65/1,95€, enquanto as lãs Bordaleiras e Churras podem atingir 0,60/0,90€. Já a tosquia começa nos 2€.

“Uma ovelha dá uma média de 2,100/2,200kg de lã, mas pode dar 4kg”, explica-nos Miguel Madeira, o médico veterinário responsável pelo departamento de Lã da Associação de Agricultores do Sul (ACOS).

Tiago Perloiro, secretário técnico da Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Merina (ANCORME) conta à VIDA RURAL que “o Alentejo é a zona por excelência quando falamos em produção de lã, isto é de lãs finas”. Mas as outras lãs, como a Churra e a Bordaleira também têm alguma valorização, principalmente se falarmos em artesanato. “A Bordaleira era muito apreciada para fazer as camisolas dos pescadores, por exemplo, porque repele a água”, refere.

O responsável salienta que “99,9% da lã que se comercializa no mercado mundial é Merina – Merina extra, Merina fina e Merina corrente”, mas, sublinha, “estamos a falar principalmente de Menino da Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e Uruguai, que são os países que mais têm apostado no melhoramento genético da lã, apesar de a Península Ibérica ser o berço do Merino”.

Diferentes estratégias de valorização

A ACOS ‘herdou’ dos tempo do IROMA (Instituto Regulador e Orientador dos Mercados Agrícolas ]o pavilhão das lãs, em Beja, e concentrava a lã de toda a região mas, “começou a haver desinteresse pela lã, que estava muito desvalorizada e também pelos cursos de tosquiadores e acabámos por suspender essa atividade, por volta do ano 2000”, conta Miguel Madeira. Mas desde 2013, “começámos com um novo projeto para ganhar escala em conjunto com uma cooperativa espanhola, a Comercial Ovinos que procede à lavagem, tipificação e armazenamento da lã para a colocar no mercado mundial quando é mais favorável”. A Comercial Ovinos concentra a lã de várias associações e cooperativas, representando cerca de 30% da lã espanhola.

tosquia de ovelha - Vida Rural

Já a ANCORME optou por uma estratégia diferente de valorização da lã, explica o secretário-técnico da Associação. Tiago Perloiro fala-nos da criação do Núcleo de Produtores de Lãs Finas, em 2009 e do trabalho de melhoramento que estão a fazer desde 2012, classificando a lã de todos os animais inscritos no Livro Genealógico (LG) da Raça. “Estamos a classificar todos os animais in vivo, fazendo uma pré-tipificação dos animais e da lã e já temos cerca de 75% dos animais classificados”, para avançarmos depois para o melhoramento genético. “Para o Merino Branco já temos a avaliação genética da lã, com o comprimento e a finesse da fibra e no próximo ano vamos fazer este trabalho também para o Merino Preto”. O melhoramento genético da lã é, aliás, relativamente simples uma vez que “há uma grande heritabilidade por isso facilmente se melhora… mas também se degrada”, salienta o responsável.

Desde 2016 que a ANCORME voltou também a concentrar lã de criadores inscritos no LG, “concentramos, tipificamos e armazenamos para conseguirmos melhores condições para a sua comercialização, deixando alguma mais-valia em Portugal”.

Ganhar escala no mercado mundial

O responsável pelo departamento de Lã da ACOS salienta que “ao juntarmo-nos à Comercial Ovinos ganhamos escala e maior poder negocial, uma vez que eles têm capacidade de armazenamento e podem colocar a lã no mercado quando é mais vantajoso”. Miguel Madeira refere que “o mercado mundial varia muito e é determinado principalmente pela China, o maior comprador mundial, e também pelo dólar, que quando está muito alto faz baixar o preço da lã”. Assim, “a Associação adianta ao produtor no final da campanha uma parte do preço da lã, por exemplo 1,50€ (quando sabemos que o será, pelo menos, 1,70€), e as contas finais são feitas em março do ano seguinte quando fecha a época no mercado mundial da lã” e assegura: “nos três anos que este projeto tem (esta é a quarta campanha) o preço foi sempre vantajoso para os produtores, embora no ano passado e este ano tenham descido, tendo o melhor preço sido há dois anos”.

A par deste projeto, a ACOS contratou também três equipas de tosquiadores uruguaios que percorrem o nosso e outros países e “oferecem um serviço profissional ‘chave-na-mão’, por 1,67€/ovelha, e têm uma técnica que aproveita ao máximo a lã que, como é para fazer fio, tem de ter qualidade, resistência e comprimento”, justificando esta opção pela cada vez maior dificuldade de encontrar tosquiadores encartados. “Porque os cursos dados pelo IROMA davam acesso à Carta de Tosquiador, mas começaram a escassear interessados e hoje já há poucos”. (Ver Caixa)

O responsável adianta que “o compromisso dos associados é a tosquia ser feita por estas equipas e entregar a lã na ACOS” e “falamos de produtores desde o Fundão a Sagres e as pessoas têm tido um interesse crescente pois tosquiámos cerca de 20.000 ovelhas no primeiro ano, 40.000 no segundo, 90.000 no terceiro e este ano foram tosquiadas cerca de 118.000 ovelhas”, salienta. A lã segue depois para Espanha onde é escolhida e separada por lotes.

A lã Merina branca é a mais valorizada, com a Merina preta (porque não se pode tingir) a rondar os 1,20/1,30€, mas Miguel Madeira salienta que “esta lã é valorizada sobretudo por artesãos e alguns compram-nos 400/500kg, o que é uma gota de água quando falamos num total de cerca de 250 toneladas de lã”.

Melhoramento genético para valorizar a Lã

“A nossa lã tem potencial para melhorar ainda mais”, defende Miguel Madeira, porque os Merinos que existem na Austrália sairam da Península Ibérica, mas foram sujeitos a melhoramento e é aí que hoje são produzidas as lãs mais finas do Mundo.

O melhoramento genético é relativamente rápido, diz o médico veterinário à VIDA RURAL, porque “a característica da lã se transmite hereditariamente, pelo que se consegue uma melhoria em cerca de cinco/seis anos e já temos produtores interessados, produtores de Merino em linha pura”, mas lembra que “há poucos rebanhos em linha pura, a maioria das ovelhas são ‘merinizadas’”.

A lã nacional ronda os 24/22 micras, em Espanha “que estiveram mais atentos e já começaram a fazer melhoramento há seis/sete anos, conseguem já ter lãs com 22/21 micras (unidade de espessura da lã], que podem valer cerca de 2,5€, mas na Austrália as lãs de 18/17 micras podem valer 7/8€/kg e conseguem ter até lãs de 14/13 micras, porque os produtores estão focados só na Lã, para eles o borrego é um subproduto”, refere.

O responsável lembra que “a lã já foi muito importante em Portugal, nos anos 60, mas depois com o aparecimento das fibras sintéticas começou a desvalorizar e as pessoas foram perdendo o interesse”, todavia, frisa que “não há nenhuma fibra sintética que consiga mimetizar a lã”.

A ACOS tem vindo a informar os produtores que a aposta na seleção de reprodutores para o melhoramento da lã pode ser interessante, “para diversificar a produção, selecionando os animais para a lã e a carne ou leite e conseguindo assim mais valorização da sua produção”.

Trabalhar com criadores e artesãos

A ANCORME, por seu lado, também aposta no melhoramento genético da lã com alguns dos criadores do Núcleo de Lãs Finas, mas é um trabalho que também ainda está no início. A par disso, explica-nos Tiago Perloiro, “temos vindo a trabalhar com parceiros como a Rosa Pomar, a Alice Bernardo e a AnaRita de Albuquerque ou a Escola Profissional de Caldas da Rainha e a Fundação de Serralves, para tipificarmos e valorizarmos a nossa lã” e acrescenta: “precisamos muito destas pessoas para fazermos a ligação entre a matéria-prima e o produto final”. O secretário técnico da Associação reconhece que “são nichos de mercado mas é aí que temos de apostar para conseguirmos melhores preços para as nossas lãs, de cor, por exemplo” e frisa que “temos quatro tonalidades: Cacau, Chocolate, Mel e Jardo (acinzentado)”. Rosa Pomar criou já dois fios em parceria com a ANCORME, vendidos na sua Retrosaria em Lisboa, o Zagal e o João. Mas a Associação tem vários outros projetos em curso para a valorização da nossa Lã, com o objetivo de “dar identidade à lã nacional para podermos avançar para uma certificação de origem”.

O regresso da lã...Merino

A ANCORME vendeu este ano cerca de 50.000kg de lã, “principalmente indiferenciada, a tipificada vendemos por encomenda e os preços rondam os 1,70€ para a indiferenciada e 2,95€ para a tipificada”.

Tiago Perloiro lembra, todavia, que “há questões legais que tornam o nosso trabalho mais difícil, porque a lã na ovelha é um produto agrícola mas depois de tosquiada passa a ser um produto industrial e já não conseguimos apoios para a valorizar”, como produto artesanal, etc.

Outro problema é a diminuição dos efetivos de pequenos ruminantes, não só em Portugal mas também no resto da Europa. Miguel Madeira refere que “Espanha, por exemplo chegou a ter 24 milhões de pequenos ruminantes e hoje tem cerca de 14 milhões, e em Portugal rondam os 2,4 milhões”. Esta diminuição é fruto da Política Agrícola Comum (PAC) que privilegiou os bovinos, mas também a desertificação e a dificuldade em encontrar mão-de-obra especializada: “para tratar de cabras e ovelhas é preciso pessoal com formação ou conhecimentos, já para guardar vacas pode ser qualquer pessoa”. O responsável salienta que a tendência é para o aumento e intensificação dos rebanhos.

Bordaleiras e Churras: o ‘peso’ da lã

Nas outras raças, “os produtores gostavam é que as ovelhas não tivessem lã e chegam até a enterrá-la”, diz Tiago Perloiro, “o que até ajuda a melhorar o solo se ela for bem espalhada”. Rui Dinis, secretário técnico da Associação Nacional de Criadores de Ovinos Serra da Estrela (ANCOSE) confirma-nos que a lã é um problema “porque dá prejuízo ao produtor que paga a tosquia a, pelo menos, 2€ e vende a lã a 0,60/0,90€”, salientando que “a Associação neste momento não está concentrar nem comercializar lã, mas em princípio no próximo ano iremos arrancar com essa área. Esperamos poder concentrar cinco a sete toneladas de lã para retirarmos alguns intermediários do processo e metermos mais dinheirto no bolso do produtor”.

Também o secretário técnico da Ovibeira, herdeira do pavilhão das lãs do IROMA em Castelo Branco – à semelhança da ACOS em Beja, nos diz que “há sete ou oito anos que deixámos de fazer a concentração da lã”. Pedro Cardoso adianta que “os produtores vendem a lã a intermediários que vão aparecendo. Na Merina da Beira Baixa conseguem que dê para a tosquia e, em alguns casos, até ter algum lucro mas nas churras têm bastante prejuízo”.

Ambos os responsáveis salientam o problema da diminuição de efetivos de ovinos nas suas regiões e, no caso da Beira Baixa, Pedro Cardoso fala até da dificuldade de as queijarias terem leite para os queijos DOP da região, importando leite de Espanha para fazerem produtos sem certificação, “para se manterem em atividade”. O secretário técnico da Ovibeira refere que “muito produtores de ovinos passaram do leite para a carne, porque era mais rentável, e depois migraram para os bovinos de carne”, porque são produções que dão menos trabalho e maior rentabilidade.

Ler Artigo Original

Partilhar

Sobre o autor

Escrever Comentário

Powered by themekiller.com