‘Grão de ouro’ já é cultivado em Portugal

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A quinoa, uma planta originária dos Andes e cujo grão integra a lista dos super-alimentos, está a ser cultivada em Barcelos. O projeto QTP – Quinoa Portuguesa é da autoria de três jovens amigos, que assumiram a direção de toda a cadeia de valor, isto é, desde a produção até à comercialização. Foram quatro anos a investir, a estudar, a investigar e que agora se materializam.

“Esta é a primeira produção portuguesa desde a origem até à fase final, que vai ser vendida a nível nacional”, salientaram à Vida Rural os jovens empreendedores.

Filipe Figueiredo, Nuno Rodrigues e Filipe Carvalho estão a braços com o embalamento das quatro toneladas de grãos colhidas no ano passado e, em simultâneo, a acompanhar a nova plantação. Como adiantaram, os grãos vão ser comercializados em embalagens de 500 gramas, sob a marca própria QTP – Quinoa Portuguesa e com a respetiva ficha nutricional, em herbanárias e ginásios do país. O preço de venda ao público rondará os quatro a 4,5 euros por embalagem, um valor competitivo face aos seis a oito euros que é comum pedirem em qualquer espaço comercial, dizem os jovens empreendedores.

Quatro anos a investigar e investir

Para chegar a esta fase do projeto os três sócios calcorrearam muitos quilómetros, depararam-se com vários entraves e realizaram várias experiências. Foram quatro anos a investir e a investigar. Como explicou Filipe Figueiredo, a Covilhã foi o local escolhido para as primeiras plantações, mas a necessidade de acompanhar de perto o desenvolvimento da planta condicionou o sucesso destes testes. Nessa altura, o projeto estava nas mãos de Nuno Rodrigues, um dos três sócios e técnico agrícola com formação em engenharia do ambiente, e de outro empreendedor, que entretanto se afastou do investimento.

Nuno Rodrigues reuniu-se então com dois empreendedores de Barcelos, que juntos combinavam as valências necessárias ao desenvolvimento do projeto. Nuno Rodrigues é técnico agrícola, Filipe Figueiredo é comercial com vasta experiência no setor e Filipe Carvalho é um agricultor de Barcelos, com o negócio centrado na produção de leite. Num terreno de dois hectares, que era utilizado para o cultivo de milho, plantaram 1800 sementes, sabendo de antemão que na geminação registar-se-ia uma perda de 20 a 30%. Essa perda deve-se essencialmente à dimensão da semente (extremamente pequena), ao seu grau de pureza e a eventuais chuvas que podem soterrar a baga. As sementes foram adquiridas no mercado europeu e a aposta foi nas variedades titicaca (nas plantações de 2016 e 2017) e vikinga (em 2017), sendo que existem mais de três mil espécies.

‘Grão de ouro’ já é cultivado em Portugal

Como adiantou Filipe Carvalho, a plantação arrancou em abril do ano passado, após a limpeza do terreno, e foi respeitado um espaço de três centímetros entre planta e um compasso de 50 centímetros entre linhas. O intervalo entre linhas permite uma sacha mecânica, embora não evite uma correção manual junto às plantas. Esta fase, que se segue à plantação, é a mais complicada e trabalhosa do processo.

A sacha mecânica permite um primeiro controlo das infestantes e é feita uma a duas vezes durante a campanha, dependendo do grau de infestação. As milhãs e as dicotiledóneas foram, até ao momento, as maiores dores de cabeça destes três empreendedores. Segundo Filipe Carvalho, “o controlo das infestantes é muito complicado”. Na sacha manual, que pode estender-se por mais de 15 dias, são necessárias três pessoas para controlarem um terreno de dois hectares.

No caminho da produção biológica

No ano passado, a plantação sofreu da praga dos piolhos (ou afídeos) e para pôr termo à sua propagação foram importadas de Espanha 200 joaninhas e cinco mil crisópas. O objetivo foi procurar uma solução natural para equilibrar o ecossistema, pois os três empreendedores pretendem obter a certificação biológica da produção logo que cumpram as regras estabelecidas. A própria planta tem uma componente, designada saponina, que atua como defesa natural. De acordo com Filipe Rodrigues, este ano estão mais conscienciosos dos eventuais problemas que a campanha pode acarretar. A pouca experiência no cultivo de quinoa obrigou-os a aprender com os erros e a adaptar um conjunto de técnicas ao novo produto.

Ao nível da utilização de auxiliares mecânicos foram necessários alguns investimentos e adaptações. O semeador teve que ser ajustado à dimensão da semente, a sacha utilizada na produção de quinoa tem as rodas mais estreitas do que é habitual para entrar nas linhas e os crivos da ceifeira tiveram que ser adaptados à particularidade da planta e, para isso, tiveram de percorrer o país à procura de quem fizesse esse trabalho. Também a limpeza do grão (já depois da colheita) obrigou a um trabalho de campo para encontrar uma empresa que estivesse disponível a fazer a secagem deste novo produto agrícola em Portugal.

No primeiro mês, o crescimento da planta é bastante lento, para logo depois acelerar. A temperatura ideal para o desenvolvimento da quinoa ronda os 25 graus diurnos e, sem qualquer malefício, pode chegar aos 32, com noites à volta dos 15 graus. Filipe Carvalho salientou que os terrenos devem ter um PH neutro, entre os níveis 6,5 e 7, mas sendo necessário correções a QTP – Quinoa Portuguesa utilizada apenas adubos orgânicos (com azoto, fósforo e potássio), que podem ser administrados junto com a sacha. Este é um passo essencial para que a planta possa captar os nutrientes essenciais ao crescimento.

‘Grão de ouro’ já é cultivado em Portugal

Já no que toca às necessidades de água, este jovem empresário não quantificou os gastos da primeira produção, mas defende que o cultivo de quinoa “não é muito exigente”, deverá consumir cerca de 33% das necessidades da cultura do milho, por exemplo. A cultura não leva qualquer fertilizante. Todos estes cuidados prendem-se com o objetivo de obter a certificação biológica.

A preparar a expansão

Segundo Filipe Figueiredo, aquando da colheita, 120 dias depois da sementeira, a planta tem já entre 1,70 a dois metros de altura e, nessa fase, o grão deverá estar já maduro. “Bate-se na planta, se o grão cai está pronto para a apanha”, diz Filipe Carvalho. A colheita é mecânica, sendo que a quinoa é logo encaminhada para secagem, um processo natural de seca ao sol durante dois a três dias. Limpos os grãos, a quinoa ou, como também é conhecida, ´grão de ouro’ ou ‘trigo dos Incas’ está pronta para comercialização.

Como todo este percurso foi uma contínua aprendizagem só agora é que vão colocar as embalagens no mercado, mas preveem que os grãos da atual campanha já poderão chegar às lojas este outubro. Esta produção terá uma novidade. A quinoa será comercializada em duas variedades: a titicaca (já experimentada em 2016) e a vikinga (uma espécie mais doce, com um nível de saponina mais baixo).

O processo está agora automatizado e esse conhecimento já lhes deu força para avançarem para um novo terreno, mais pequeno (cerca de sete mil metros quadrados), onde vão apostar logo à partida na produção biológica. Já há inclusive agricultores da região que querem integrar o projeto. Afinal, a quinoa é um produto novo no mercado nacional e o consumo, que ronda as nove toneladas por ano, é assegurado por importações.

Filipe Figueiredo, Filipe Carvalho (ambos com 31 anos) e Nuno Rodrigues (com 32) contabilizam até ao momento um investimento de cerca de 18 mil euros (essencialmente entre 2016 e este início de campanha), mas há muita investigação e horas de trabalho que foram ‘pro bono’. Para já, não tiveram qualquer apoio à produção, mas também não foi o foco. Agora, preveem olhar para esse dossier.

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