“É a base científica que seguimos, não a política”

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Considerando os vários estudos científicos que não encontraram “nada que pudesse levar à proibição do produto”, a Associação Nacional da Indústria para a Proteção das Plantas espera que o glifosato possa continuar a ser utilizado, afirma o seu diretor executivo, salientando que houve aproveitamento político devido à ligação com a Monsanto. António Lopes Dias destaca ainda os resultados do estudo que demonstra que, se forem retiradas as 112 substâncias que estão a ser avaliadas na UE até 2020, os prejuízos para os agricultores, só nas cinco fileiras chave (vinho, azeite, tomate de indústria, pera rocha e milho grão), podem ultrapassar os 800 milhões de euros”.

Começamos pelo mal-amado glifosato: faz ou não faz mal? Há ou não provas e estudos? E em que ponto estamos na proibição ou manutenção?

Na verdade já se sabe muito. Existem milhares de estudos que já foram avaliados pelas autoridades competentes e para nós é a opinião dessas entidades que conta, porque eles é que tiveram acesso a todo o conjunto de estudos. Foi também avaliado pelo Estado-membro relator (cada substância ativa tem um relator), neste caso a Alemanha, que da mesma forma não encontrou nada que pudesse levar à proibição do produto.

Com o glifosato abriu-se um precedente: houve um aproveitamento claramente político de uma conclusão a que a IARC chegou, igual a tantas outras que já teve… A IARC [Agência Internacional de Investigação do Cancro, que faz parte da Organização Mundial de Saúde (OMS)] já avaliou e classificou mais de mil substâncias, modos de vida, profissões, etc., com base em probabilidades. Como o café, o álcool, as carnes vermelhas, as antenas de telemóvel… E nesses casos não houve grandes desenvolvimentos, mas o glifosato foi, de imediato, aproveitado para atacar politicamente o triângulo: glifosato, Monsanto, transgénicos. Se o glifosato não tivesse uma ligação com a Monsanto, porque foi a empresa que o descobriu, hoje não se estava a falar dele.

Para nós, não há dúvida nenhuma que o glifosato é uma substância que pode ser usada, com os cuidados que todas as outras devem ter, porque é isso que confirmam as autoridades científicas. E é a base científica que nós seguimos, nunca a política.

E como é que está nesta altura a questão de proibição ou não do uso do glifosato?

Recentemente houve uma autorização de extensão de uso por mais 18 meses no Comité de Apelo da Comissão Europeia, dando assim hipótese a que outra agência da União Europeia (UE) – a Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), que faz a classificação toxicológica de todos os produtos químicos, se pronuncie sobre a classificação a dar ao glifosato. Depois disso haverá então uma decisão, que nós pensamos que será de autorizar o uso, embora com as respetivas medidas de mitigação de risco. O que a ECHA vai dizer é que vai determinar as condições de reutilização futura do produto.

Entretanto, foi aprovado a retirada do mercado das formulações com taloamina. Estas formulações de taloamina e glifosato foram canceladas a 30 de junho, com esgotamento de stocks a 31 de dezembro de 2016. A lista dos produtos envolvidos pode ser consultada no site da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV).

O Governo português está também a preparar uma legislação para limitar ou proibir a aplicação de alguns produtos fitofarmacêuticos, não só do glifosato, em determinados espaços públicos, como jardins, escolas, hospitais…

Não há substitutos para o glifosato?

Não, não tenho conhecimento que existam.

Nem há nada idêntico que seja menos ‘agressivo’?

O glifosato é, talvez, o pesticida menos agressivo do mercado e menos perigoso, porque é um produto com isenção de classificação toxicológica e não tem perigos para o ambiente. As pessoas ficaram com essa ideia devido à decisão da IARC [de incorporar o glifosato na lista de substâncias provavelmente cancerígenas – grupo 2A].

Mas as sucessivas decisões e não decisões na UE também têm ajudado à confusão…

Claro, é o peso político da questão. Chega-se ao ridículo de o Estado relator ter dado parecer positivo na parte científica e depois se abster no Comité de Peritos… o público não tem a noção das questões políticas que estão envolvidas.

Nesta altura a expetativa é que a ECHA dê uma classificação que permita estabelecer as condições de reutilização do glifosato?

Sim, a nossa expetativa é que o produto vai continuar, com condições de utilização que vão ser determinadas pela avaliação da ECHA. A frase: “este produto pode ser potencialmente cancerígeno” ou outras idênticas existem em vários pesticidas. A classificação indica perigo e o que tem de se fazer são medidas de mitigação do risco.

Passando agora à potencial retirada de cerca de 112 substâncias ativas em Portugal, mas que no total da Europa podem ser 130, e aos seus efeitos na agricultura. Como está este processo?

São substâncias que chegaram à altura de ser avaliada a sua manutenção, substituição ou retirada e que neste último caso o impacto para a agricultura europeia pode ser enorme.

Foi feito recentemente um estudo apresentado ao Copa-Cogeca, que envolvia seis ou sete países europeus, e cujas conclusões são idênticas ao nosso estudo: o impacto é grande, direto e indireto, há também impacto a nível social com a retirada destas substâncias ativas, de todas ou mesmo só de algumas. Pelo que, os produtos fitofarmacêuticos são indispensáveis para que a agricultura cumpra a sua missão.

Em Portugal, em algumas das culturas que nós avaliámos, o resultado era simplesmente acabar com a cultura, ou seja a cultura deixava de ser viável, como é o caso do tomate de indústria. O estudo analisou cinco fileiras chave: vinho, azeite, tomate de indústria, pera rocha e milho grão. Identificámos em cada cultura as substâncias que poderão ser retiradas e fomos perguntar a agricultores, técnicos, organizações de produtores e outras entidades do setor, como comissões vitivinícolas, Casa do Azeite, etc., qual a importância desta ou daquela doença ou praga e o que aconteceria se não tivessem a substância X para as mitigar, chegando assim a determinados prejuízos no rendimento base do agricultor, no final de 2015, que foram extrapolados para a fileira. Concluindo que andaria entre os 80% no tomate de indústria e os 50% no vinho.

Estas cinco fileiras representam 40% da produção vegetal e valem cerca de 1,5 mil milhões de euros, a nível do rendimento do agricultor, e estamos a falar de uma quebra que ultrapassa os 800 milhões.

E são culturas importantes nas nossas exportações também…

Sim, nós tivemos em conta precisamente o peso considerável que estas culturas, exceto o milho grão, têm nas exportações (de 1,5 mil milhões de euros) e na balança comercial nacional (positiva em cerca de mil milhões de euros), por isso contabilizámos não só o que deixaríamos de exportar, mas igualmente o que teríamos de importar.

E saliento ainda que estas são cinco grandes culturas onde há um número elevado de substâncias homologadas, porque todas as empresas apostam nelas, mas se aplicarmos esta metodologia em culturas mais pequenas como frutos vermelhos, espinafres, baby leafs e outras, bastam uma ou duas substâncias desaparecerem para acabar a cultura.

Quando apresentámos o nosso estudo a Associação de Horticultores do Sudoeste Alentejano – zona que representa uma grande fatia da nossa horticultura em termos de valor – ficou muito interessada e vai fazer um estudo do impacto da retirada destas substâncias, aplicado às principais culturas da região, um estudo que nós vamos apoiar.

António Lopes Dias - ANIPLA - Vida Rural

Gostava ainda de referir que há cerca de dez anos houve uma diretiva que fez cair mais de 200 substâncias ativas na Europa, mas a indústria conseguiu recuperar mais ou menos o mesmo nível de controlo e podemos dizer que talvez até seja melhor hoje, porque haviam várias substâncias prontas a serem usadas, resultado da investigação das empresas do setor. Mas atualmente, com a existência do novo Regulamento as coisas vão tornar-se muito mais complicadas, porque este faz uma avaliação mais baseada no perigo do que no risco, as empresas estão a desinvestir cada vez mais na Europa, apostando mais noutros continentes e o número de substâncias ativas no pipeline é um terço do que era há dez anos atrás. Para além de que, com as novas regras, os produtos demoram cerca de 12 anos a chegar ao mercado, o que custa cerca de 260 milhões de euros (o dobro do que era em 2009).

Concluindo: a retirada destas substâncias ativas, a acontecer, não vai ter, nem de perto nem de longe, uma substituição como teve há dez anos.

Nesta altura qual é a vossa expetativa? Qual é a data limite para essa diretiva sair?

A diretiva já existe, que é o Regulamento nº 1107/2009, mas estas substâncias têm de ser todas reavaliadas até 2020.

Falando agora sobre Safe & Sustainable Use Iniciative da Associação Europeia para Proteção das Culturas (ECPA), como é que tem estado a ser divulgada junto dos produtores em Portugal?

Esse é um projeto que se enquadra num conjunto de várias ações que promovem o uso sustentável dos produtos fitofarmacêuticos, que a indústria tem vindo a desenvolver a nível europeu. Em Portugal começou em 2005, com o programa “Cultivar a Segurança”, e concentra-se muito na segurança do aplicador, principalmente na sensibilização para o uso do equipamento de proteção individual em todas as fases de utilização do produto, deste a preparação da calda até à lavagem do equipamento. Mas esse projeto cruza-se com outros, por isso é que decidimos criar a Smart Farm, para termos a possibilidade de juntar no mesmo espaço todo o tipo de técnicas, equipamentos e recomendações para a utilização segura. E aqui já estamos a falar de segurança para todos: há, por exemplo, um projeto, que estamos agora a lançar em Portugal, de redução das fontes potenciais de poluição, onde estamos a proteger o ambiente. O projeto que teve oportunidade de ver em Almería [Vida Rural de dezembro de 2014/janeiro de 2015], de gestão dos resíduos dos pesticidas, tem a ver com a proteção do consumidor. O que queremos é proteger as plantas, protegendo ao mesmo tempo todos os intervenientes no processo e na Companhia das Lezírias, onde estamos a instalar a Smart Farm, temos a possibilidade de ter um espaço de demonstração e de formação, que esperamos inaugurar em breve.

As ações do projeto TOPPS – Prowadis (que visa dar formação a agricultores e equipas de vendas e marketing das empresas de produtos fitofarmacêuticos sobre boas práticas na proteção da água) já serão dadas na Smart Farm, na Companhia das Lezírias…

Sim, este é um projeto muito importante para a ANIPLA e a ECPA, que nos está a apoiar na sua implementação em Portugal, com três parceiros, dois na parte da formação (CAP e Confagri) e o outro na área da auditoria ambiental (FCT-UN). Estão identificadas, pelo menos, três áreas de risco de poluição ambiental por arrastamento de perda de calda de pulverização, que poderão contaminar as águas. Já iniciámos uma série de cursos de formação de técnicas de redução destes riscos e até ao final de 2017 esperamos ter cerca de 500 técnicos formados, que serão depois, também eles, formadores de agricultores e do pessoal que faz a aplicação no campo.

Quanto à nova lei de aplicação dos produtos fitofarmacêuticos, como é que está esta questão? É preciso curso e cartão? E em relação aos pulverizadores?

Tudo o que é de aplicação profissional as pessoas têm de ter um curso básico obrigatório e a ANIPLA concorda. A questão é que tudo devia ter sido preparado com tempo e não se deixar para o último dia, à boa maneira portuguesa. Mas esta questão agora já está praticamente ultrapassada, a próxima crise vai ser com os pulverizadores, porque a data limite para que estejam inspecionados é já a 26 de novembro. A mesma lei diz que, exceto os pulverizadores de dorso e outras exceções, todos os pulverizadores acoplados a trator, atomizadores, etc. têm de ter inspeção obrigatória, mas não foram garantidos os meios porque ainda há poucas entidades certificadas como inspecionadoras [no site da DGAV constam 11 Centros de Inspeção Periódica de Pulverizadores autorizados], por isso quando chegarmos perto da data vai andar tudo a pedir adiamentos. E as coimas são elevadas, há pouco tempo ouvi uma sessão dada por um elemento da GNR que falava precisamente das coimas, mas também da falta do cartão ou do equipamento de proteção bem como da utilização de produtos não homologados.

Ia falar também precisamente sobre a venda de produtos ilegais e a dificuldade de homologação de novos produtos. A venda de produtos ilegais é significativa em Portugal? E quanto à homologação, porque é que é tão complicada?

Mesmo que os produtos estejam homologados em Espanha, por exemplo, têm de estar autorizados também cá, é assim a lei. Existe um regulamento europeu para várias substâncias e produtos que são exceções à livre circulação de bens, onde estão incluídos os pesticidas e os medicamentos, por exemplo.

Mas sobre as substâncias existe um regulamento que permite o reconhecimento mútuo e a avaliação zonal. Se o produto está homologado em Espanha pode ser transposto para Portugal, é uma questão de as empresas o solicitarem e os agricultores também o podem sugerir junto das empresas do setor. Agora o que os agricultores não podem é ir a Espanha comprar o produto, somos totalmente contra isso porque é muito perigoso. O mesmo se passa com as importações paralelas: a ANIPLA é contra o reembalamento de um produto que foi importado ao abrigo das importações paralelas. É muito perigoso porque pode dar origem a irregularidades, o produto é o produto acabado e deve ser apenas colado o rótulo em português na embalagem original.

A maioria dos produtos ilegais em Portugal vem de Espanha, embora haja casos pontuais de compras noutros países. Mas não há necessidade disso porque se é um produto que faz falta existem ferramentas e mecanismos para que ele possa ser autorizado e passe a ser aplicado legalmente em Portugal.

António Lopes Dias - ANIPLA - Vida Rural

Com alguma rapidez? É que uma das queixas dos agricultores é que são processos que demoram muito tempo…

Por nós podia ser para ontem, mas é claro que como a agricultura é uma atividade sazonal tem de ser em tempo útil para poder ser aplicado naquele momento, senão só para o ano…

As exigências, cada vez maiores, em termos de redução dos resíduos nos alimentos tem levado as empresas do setor a apostar na luta biológica e em soluções não químicas para aumento da produção e proteção das culturas. É uma área de negócio em forte crescimento?

Estas empresas são empresas de proteção das plantas e, por isso, também desenvolvem métodos de proteção das plantas que não são exclusivamente químicos. Muitas das nossas associadas têm, por exemplo, métodos puramente biológicos, outras recorrem a outros tipos de tecnologias como as feromonas, armadilhas cromotrópicas, captura em massa, confusão sexual, etc., investindo em áreas alternativas àquela que é puramente química. As plantas precisam de ser protegidas dos seus inimigos e temos de o fazer com todos os meios ao nosso alcance, sejam eles químicos, biológicos ou culturais e de uma forma integrada, porque apoiamos os conceitos da produção integrada.

Quanto à agricultura em modo de produção biológico, ela tem razão de ser numa procura de mercado, ou seja existe para ir ao encontro de um perfil de consumidor que tem o seu lugar no mercado. A ANIPLA e a indústria não são contra a agricultura biológica, o que dizemos é que a agricultura biológica não substitui, nem pode substituir, a agricultura convencional, porque não acreditamos que a agricultura biológica consiga cumprir a missão que cumpre a agricultura convencional.

Mas nota-se, cada vez mais, que a agricultura convencional tem vindo a apostar mais em meios alternativos aos fitofármacos, por razões económicas, ambientais, de pressão social, entre outros…

Isso é precisamente o que nós defendemos: o uso sustentável dos produtos fitofarmacêuticos, defendendo o futuro da proteção das plantas. A ANIPLA e outras entidades participaram na elaboração da Lei nº 26/2013, de que já falámos aqui, e que é a lei do ‘Uso sustentável’, e esta é bem clara: o objetivo é reduzir a aplicação dos produtos fitofarmacêuticos sempre que possível.

Defendemos uma utilização racional e sustentável dos fitofármacos, o que não acreditamos é que seja possível fazer agricultura sem eles. E quando se fala em segurança alimentar, que é uma das razões indicadas para o modo de produção biológico, devo dizer que os produtos que são usados no modo de produção biológico também têm Limites Máximos de Resíduos (LMR) e também são sujeitos ao mesmo nível de avaliação, pelas mesmas entidades, a nível europeu e nacional, que os produtos ‘convencionais’. Ou seja, as exigências de aplicação, em termos de segurança para o aplicador, para o ambiente e para o consumidor não são diferentes entre a agricultura tradicional e a agricultura biológica.

E ao nível da segurança alimentar, o último relatório da Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) afirma que mais de 50% das amostras têm resíduo zero e mais de 90% têm resíduos abaixo do LMR [97,5% em 2011] e não há separação entre modo biológico ou tradicional. Conclusão: seja em modo de produção biológico ou convencional, a Europa é o local do mundo onde se produzem alimentos mais seguros.

“O Valorfito tem estado a funcionar muito bem”

No âmbito do Valorfito – Sistema Integrado de Gestão de Embalagens e Resíduos em Agricultura, “no ano passado atingimos cerca de 45% de taxa de retoma, atingindo quase 390 toneladas”, explica-nos António Lopes Dias, também diretor-geral da Sigeru, que gere este sistema, acrescentando que “o Valorfito tem estado a funcionar muito bem”.

E este ano, adianta o responsável, “no primeiro semestre já recolhemos mais 20% de embalagens do que no mesmo período de 2015”.

Confirmando o crescimento que se tem vindo a verificar continuamente, desde 2009, o diretor-geral salienta ainda que “este ano tivemos um boom de Pontos de Retoma, que já são mais de mil”. E isto também resultante da aplicação da Lei nº 26, porque “os cursos de formação de aplicadores têm tido um resultado muito positivo igualmente nesta área, porque os agricultores vão aos cursos, falam-lhes nisto e eles vão pedir os sacos aos Pontos de Retoma”.

Nos seis primeiros meses do ano, “já distribuímos mais do dobro dos sacos Valorfito [para colocar as embalagens a entregar]do que em todo o ano passado. Devemos chegar ao final do ano com um número recorde de sacos distribuídos”.

António Lopes Dias adianta: “estamos a crescer bastante, os agricultores estão cada vez mais sensibilizados e têm dado uma grande demonstração de maturidade e responsabilidade”. Mas, lamenta, “estamos há quatro anos à espera da licença para também podermos recolher embalagens vazias de sementes e biocidas”.

Artigo publicado na edição de setembro de 2016 da revista VIDA RURAL

O post “É a base científica que seguimos, não a política” aparece primeiro no Vida Rural.

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