Defender o montado para travar o deserto

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A Iniciativa Pró-Montado Alentejo (IPMAlentejo) junta especialistas, ambientalistas, produtores e autarcas com o objetivo de alertar o Governo para a urgência de defender o montado como única barreira de travar o avanço do deserto para norte. Pretende-se a criação de um programa a longo prazo para apoiar os dois tipos de floresta nacional: prevenção dos incêndios na floresta de produção lenhosa (centro e norte) e adaptação climática na floresta multifuncional (no sul).

Os membros da comissão coordenadora da Iniciativa, com que a VIDA RURAL conversou, lembram que “não existe apenas Uma floresta em Portugal” e frisam que “ao contrário da opinião ‘em circulação’ o destino do Montado de Sobro do Alentejo não é ‘transferir-se para norte’”, porque, sublinha Francisco Lopes: “Aqui também vivem pessoas” e Eugénio Sequeira acrescenta que “o Montado é a última barreira contra o avanço do deserto para norte”, por isso, esta questão não é um problema apenas do Alentejo, mas nacional.

Dada a abrangência do problema – que consideram vai além do Ministério da Agricultura, tendo de envolver também o Ambiente e as Finanças – a IPMAlentejo entregou, em maio, uma carta e um dossier com os seus argumentos e propostas ao primeiro-ministro, solicitando uma audiência com caráter de urgência. Os subscritores informam que a carta e o dossier explicativo foram depois remetidos para gabinete do ministro da Agricultura e seguidamente para o secretário de Estado das Florestas “onde se encontra”.

Por ocasião da elaboração do texto sobre o futuro do montado – publicado na edição de junho da VIDA RURAL – já tínhamos contactado Miguel Freitas sobre os problemas que afetam este sistema florestal e o secretário de Estado respondeu com várias iniciativas e programas que estão em curso.

Iniciativa de “um grupo esclarecido e preocupado”

O estado de debilidade a que chegou o montado de sobro e azinho no Alentejo levou à criação desta ‘frente civil’ para a sua defesa.

A IPMAlentejo uniu assim, de forma quase inédita, vários especialistas do setor, como Francisco Lopes (que ocupou vários cargos em entidades públicas e privadas do setor a nível nacional e internacional, como delegado Regional do Alentejo do Instituto Florestal ou perito da CE Liége – Confédération Européene du Liége no Grupo Consultivo Florestas e Cortiça da União Europeia) e ambientalistas, como Eugénio Sequeira (que foi presidente da Liga para a Proteção da Natureza, entre outros cargos e liderou várias investigações e programas, nomeadamente na área dos solos, coordenando a preparação do Programa Nacional de Combate à Desertificação, e participando noutros programas e investigações a nível internacional). Além de vários especialistas e produtores florestais como Francisco Avillez (Agro.ges), Fernando Gomes da Silva, José Mira Potes, Pedro Marques de Sousa, António Manuel Rocha, Edite Moura Botelho, Francisco de Almeida Garrett, Luís Manuel Dias, vários representantes da LPN e da Quercus, bem como das autarquias do Alentejo, como Grândola e Portel, além do Crédito Agrícola da Costa Azul.

Francisco Avillez conta-nos que “fomos recebidos num só dia por todos os partidos com assento parlamentar” e agora, adianta Pedro Marques de Sousa, “estamos à espera do retomar dos trabalhos da Assembleia da República em pleno para sermos recebidos pela Comissão de Agricultura”.

Uma política florestal para cada floresta

A primeira coisa que a Iniciativa pretende é que o Governo deixe de falar de ‘Uma’ floresta, porque Portugal tem duas, a lenhosa a norte – devastada por fogos – e o montado a sul, ameaçado pela desertificação.

Os subscritores solicitam que o Executivo “‘segmente’ a política florestal, orientando e especializando a aplicação dos recursos (por natureza escassos) para as medidas e ações mais prementes em cada um dos dois tipos de floresta-base nacional, designadamente: a prevenção de incêndios na floresta de produção lenhosa (concentrada no centro e norte) e a adaptação climática na floresta multifuncional (concentrada a sul, em especial no Alentejo)”.

A IPMAlentejo solicita também que o Governo “lance, de imediato, um concurso regional, ao abrigo do PDR 2020, especificamente para o Alentejo, na Medida 815 (Melhoria da Resiliência e do Valor Ambiental das Florestas), com valor minimamente adaptado às circunstâncias e às áreas mais prementes (na ordem dos 60 milhões de euros – 12% do PDR Florestal)”, definindo “o Montado de Sobro (e de Azinho) como povoamento florestal elegível prioritário nesse concurso, acabando com as passadas barreiras (…) (pertença a ZIF)”.

Entre outras medidas, nomeadamente de reforço das verbas do PDR Florestal, a Iniciativa pretende ainda que o Executivo “melhore a versão do novo Plano de Ordenamento Florestal do Alentejo, de forma a incorporar o tema ‘alterações climáticas’ na sua verdadeira dimensão”.

E conclui: “a manutenção deste ‘sistema’ ativo e com boa saúde é uma necessidade de âmbito nacional”.

Adensar os povoamentos é uma solução

Os subscritores consideram-se “um grupo esclarecido e preocupado”, salientando que “há uma subestimação do problema” desta mortalidade dos sobreiros que se tem vindo a agravar desde o final dos anos 80 do século XX, devido a várias condições climáticas, bem como sanitárias.

Em cada década houve três anos de seca que foram agravando as condições e provocando uma mortalidade cada vez maior das árvores. “E há um efeito de dominó porque as clareiras que se formam provocam uma mortalidade ainda maior porque potenciam as vagas de calor e seca: os solos mineralizam-se e atingem temperaturas até 58°, secando ainda mais tudo à sua volta”, refere Francisco Lopes, “por isso, defendemos que a única via é o adensamento dos povoamentos”, voltando a 100 ou 120 árvores por hectare, contra as atuais cerca de 60. E acrescenta: “A área de montado não diminuiu muito mas o povoamento sim, bem como a produção que é hoje metade ou menos do que já foi”.

Já Joaquim Vieira de Natividade que estudou o montado na primeira metade do século XX, dizia que “é importante criar um sistema quem que as copas dos sobreiros se toquem para que ensombrem a terra, ajudando também a nível de humidade e minimizando a evapotranspiração”, por isso “o adensamento é tão importante”, frisa o especialista.

Curvas de nível para segurar a água

Por seu lado, Eugénio Sequeira destaca que “é preciso também que a água que entra não fuja”, assim propõe a construção de valas nas serras – onde a mortalidade dos sobreiros até é maior –, “devem fazer-se curvas de nível, com muretes de pedra solta para absorver as chuvadas”.

A gestão correta dos montados tem vindo também nos últimos anos a ser advogada pelas associações do setor e praticada já pela grande maioria dos produtores, apostando principalmente na não mobilização nem na limpeza do solo.

Os membros da comissão coordenadora salientam que “a ‘cortiça’ faz parte da marca ‘Portugal’ e os montados asseguram o emprego da mão-de-obra mais bem paga no Alentejo”, que “possui 72% da superfície de montado de sobro (e 92% do montado de azinho) e é responsável por grande parte do abastecimento corrente à indústria transformadora” e alertam que “conceder na deflorestação do Alentejo, sem desenvolver iniciativas e programas, com escala suficiente, que promovam a ‘adaptação climática’ do montado de sobro e azinho, por ações de fomento do fundo de fertilidade dos solos, do seu ensombramento e da retenção de água, terá consequências devastadoras na coesão económica e social e no meio ambiente desta região [que ocupa 31% do território nacional]e também a norte da mesma”.

Francisco Lopes sublinha que “não estamos a falar dos habituais programas agrícolas de quatro ou cinco anos, mas de um verdadeiro programa para a floresta com um horizonte de meio século, para dar reais frutos”. Quando questionado sobre a exequibilidade deste programa, como antigo funcionário das entidades oficiais do setor ao longo de várias décadas, o especialista conclui que “não poderei afirmar que é exequível mas penso que será e considero que é a única via para recuperarmos as zonas de montado”.

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