Maçã: Brasil colhe menos, mas avança em qualidade

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O Brasil terminou a sua colheita da campanha 2018/2019 da maçã com um sentimento misto: por um lado, é esperada uma melhoria significativa na qualidade do fruto, resultado do investimento em tecnologia, pesquisa, mecanização e desenvolvimento de novas variedades. Por outro lado, as questões de mercado ainda preocupam tanto produtores rurais quanto outros participantes da cadeia produtiva, como indústrias e cooperativas.

O Brasil contabiliza mais de 33 mil hectares de pomares de maçã que produzem anualmente cerca de 1,35 milhão de toneladas. Essa produção fatura cerca de 6 mil milhões de reais (algo perto de 1,33 mil milhões de euros) e gera mais de 150 mil empregos diretos e indiretos. De acordo com a Associação Brasileira de Produtores de Maçã (ABPM), atualmente, a cada dez maçãs consumidas no Brasil, nove são produzidas nacionalmente. A fruta é a terceira de maior consumo no país, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ainda segundo a ABPM, dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), apontam o Brasil entre os 12 maiores produtores de maçã do mundo. “De grande importador que éramos quando a ABPM foi fundada, passámos a ser um grande exportador – chegamos a exportar anualmente para mais de 40 países”, diz a entidade.

Os três estados da Região Sul do Brasil (Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul) são os maiores produtores de maçã do país em função de sua localização subtropical, que lhes confere uma temperatura média mais fria. A atividade teve um grande impulso a partir de década de 1970, quando a fruticultura de clima temperado recebeu incentivos e tecnologias, consolidando também o estado de Santa Catarina como o campeão nacional de produtividade e, principalmente, qualidade. Nessa região estão localizados 75% dos produtores brasileiros de maçã, sendo que a cidade de São Joaquim concentra mais de 1,8 mil produtores dessa fruta.

Se o ano de 2017 representou o auge da produção de maçã no Brasil, com 1 milhão e 350 mil toneladas, em 2018 a colheita registou uma quebra de 23%, para 1 milhão e 50 mil toneladas – e um perfil de fruta de pequeno tamanho. Para 2019, a primeira parcial é de nova queda: 900 mil toneladas. “Há muito tempo que produzir maçãs no Brasil tem sido grande desafio, porém em 2018 e nos dois últimos têm exigido ainda mais do setor produtivo, pelo facto de o país estar a recuperar de uma maneira hesitante da maior recessão económica de sua história”, comenta Pierre Nicolas Pérès, presidente da ABPM.

De acordo com este dirigente, um ponto forte do setor da maçã no Brasil é a qualidade das instituições de pesquisa e, em consequência, dos investigadores que as integram e que atuam em prol do desenvolvimento tecnológico da nossa cultura. Segundo Pérès, agora o que o setor precisa é “alavancar sua competitividade” sob vários aspetos, pois concorrer no mercado interno, em alguns anos, tenderá a ser tão difícil quanto no mercado internacional. “Precisamos de estratégias adequadas para destacar a maçã entre tantas opções de alimentos saudáveis que são oferecidas ao consumidor brasileiro. Alavancar a procura, expandir mercados, ou seja, exportar em níveis superiores ao que temos praticado, entre outras tantas ações”, sustenta o dirigente.

Mercado externo ainda insipiente

De acordo com todas as principais referências do setor, o Brasil possui ainda um longo caminho para se afirmar no mercado externo. Uma dessas lideranças é José Sozo, presidente da Agapomi (Associação Gaúcha de Produtores de Maçã). Segundo ele, é preciso começar a trabalhar e fixar uma meta mínima de exportação, que poderia ser algo próximo dos 15% da produção, ou 150 mil toneladas. Sozo explica que o Brasil já chegou a vender, há sete ou oito anos, até 13% de sua produção, mas ultimamente esse percentual baixou para apenas 7%.

“É muito importante que retornemos a ter uma posição fixa no mercado internacional – essa é uma das ideias. A outra ideia é a seguinte: nós estamos muito focados, muito centrados em cima de uma variedade, que é a Gala. Ela é muito boa, produz bem, o mercado gosta, os consumidores gostam, mas nós temos de colher 70% da produção em 25 dias, 30 dias no máximo”, conta ele.

O dirigente da Agapomi lembra que, nos tradicionais países produtores de maçã da Europa, são produzidas de quatro a cinco variedades importantes, com peso mínimo de 15% ou 20%, até 25%. Ele explica que isso permite distribuir a colheita por um período de 90 a 100 dias: “Isso é melhor, porque permite trabalhar com mais calma e colher com mais tranquilidade. Seria melhor também para os trabalhadores, porque ampliaríamos o tempo de procura da mão de obra e estaríamos dando um rendimento melhor para o trabalhador”.

Sozo revela que um dos objetivos do setor de maçãs no Brasil é trazer variedades que estão a fazer sucesso no exterior. Assim, argumenta, o Brasil poderia fornecer a fruta a esses países durante a sua entressafra, oferecendo produto fresco e de boa qualidade. Um outro desafio, elenca o dirigente, é impedir que a China coloque maçã no mercado interno brasileiro – o que é uma reivindicação desse país asiático como contrapartida pelo alto número de outras commodities adquiridas, tais como soja, carne e proteínas.

“Se entrar muito produto chinês, o nosso preço vai para baixo, nós não podemos sobreviver com a concorrência da China, que tem praticamente 45% da produção mundial de maçã, em torno de 43 milhões de toneladas. Isso sem falar do problema das doenças que existem lá e que nós não temos aqui, que poderiam ser transferidas para cá. Se eles entrarem com 200 mil toneladas, o que para eles é pouco ou nada, para nós aqui é desastroso, porque entraria em agosto, setembro e outubro, quando a nossa maçã começa a reagir no preço e conseguimos alcançar um preço médio que cubra o nosso custo”, desabafa.

O produtor brasileiro de maçã

Diferente de outros lugares, metade dos produtores brasileiros de maçã é de grande dimensão: são empresários, produtores de escala, que colhem entre 30 a 70 mil toneladas. Há ainda proprietários de pomares médios, que possuem a sua própria câmara e calibradora de fruta e trabalham com cerca de cinco mil toneladas. Por fim, existem os pequenos agricultores, que entregam maçã aos grandes por não possuírem estrutura de verticalização e de classificação da maçã para fazer chegar até ao mercado.

“Isso cria-nos um problema muito sério pelo seguinte: nós temos hoje cerca de 180 marcas de maçã. Os grandes compradores são os supermercados e os grandes grossistas, que distribuem para todo o Brasil. Esse pessoal tem o ‘poder de fogo’ para nos impor preço. Quando o pequeno produtor precisa de vender, está pressionado para pagar os seus custos, então baixa o preço. Isso torna o preço muito variável na oferta da maçã, pode-se dizer tranquilamente que não existem mais que 10 a 12 compradores que determinam o preço”, explica Sozo.

Um desses produtores de sucesso no Brasil é Everson Fernando Suzin, formado em Gestão Empresarial pela Universidade do Planalto Catarinense, com pós-graduações e especializações no setor frutícola. Com pomares de aproximadamente 60 hectares, todos localizados na cidade de São Joaquim, Suzin comanda a produção juntamente com o pai e o irmão, num modelo de sociedade familiar. Além da maçã, a sua “agroempresa” ainda produz batata e uvas, que são comercializadas pela vinícola Suzin – também de propriedade da família.

“Nós produzimos este ano 2,5 mil toneladas, mas a nossa capacidade instalada de pomar é para produzir 3,5 mil toneladas. A questão é que eu tenho pomares que ainda estão a entrar em produção, não estão a plena atividade. O ponto de equilíbrio do pomar é uma produtividade de 40 toneladas – daí para cima, para começar a ganhar alguma coisa. Há algumas pessoas que falam até em 90, 100 toneladas. Nos Estados Unidos, por exemplo, fala-se em 120 toneladas, mas aí entra a irrigação, que nós não temos aqui, não temos disponibilidade de água para tanto”, relata.

Sobre a comercialização, Suzin comenta que 30% dos produtores organizam-se no modelo de cooperativas. Outros 45% adotam uma produção integrada, ou seja, fazem parcerias com empresas maiores, tipo Schio, Fisher, Rasip, Perboni. São estruturas que oferecem o que o produtor precisar: assistência técnica, compra de agroquímicos, pagamentos de seguro, financiamento e outros serviços.

O restante são os chamados “aventureiros”, que decidem na última hora a quem vender: “Entregam o produto para quem pagar mais, vendem até maçã verde, vendem qualquer coisa. Mas essa classe de produtor está acabando. Os que não são profissionais, aos poucos, estão a ir embora. A agricultura familiar cresceu bastante também. Hoje, um produtor com dois ou três filhos já conta com tratores novos, com programas como o ‘Mais Alimentos’ [de ajuda governamental], onde se pagam juros muito baixos. Houve uma melhoria muito grande no campo, na agricultura familiar”, conta.

Sobre a colheita 2018/2019, o produtor comenta que a maçã Gala teve uma quebra representativa de 25%. Já a variedade Fuji apresentou uma quebra menor, em torno de 5%. Ele menciona que mudou bastante a forma como o produtor trabalha. “Hoje, pelo menos nos meus pomares, mesmo não tendo ocorrência de granizo, temos cobertura. Estamos mandando fruta de boa qualidade, em termos de coloração, de formato e vários aspetos que garantem um bom preço, com valor agregado. Estamos a ter uma colheita abaixo do normal, mas sabemos que o consumo também está um pouco baixo agora, nos primeiros meses. Ainda assim, apesar de termos hoje produto em stock, temos menos fruta hoje para ser oferecida nos próximos meses”, revela.

O futuro da cultura da maçã no Brasil, de acordo com todos os atores do setor, está intimamente ligado à tecnologia e comercialização. Este país avança de maneira sólida, com utilização cada vez maior de ferramentas para ampliar a produtividade. “Eu já fui para a Europa, já fui visitar os nossos países vizinhos, já vi pomares lá e os nossos não ficam devendo nada. Temos hoje pomares tecnificados, muito próximos dos grandes e bons pomares do mundo. Claro que existe muita coisa a melhorar, mas nós temos mercado, temos o consumo muito baixo, ainda há muita coisa para ser trabalhada, precisamos também de incentivo de políticas públicas”, conclui Suzin.

*Correspondente no Brasil

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Fonte: Vida Rural

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